28 janeiro 2011

Fogo e ritmo (Jornada de África)

“Embondeiro” Neves e Sousa
Sons de grilhetas nas estradas
cantos de pássaros
sob a verdura húmida das florestas
frescura na sinfonia adocicada
dos coqueirais
fogo
fogo no capim
fogo sobre o quente das chapas do Cayatte.
Caminhos largos
cheios de gente cheios de gente
em êxodo de toda a parte
caminhos largos para os horizontes fechados
mas caminhos
caminhos abertos por cima
da impossibilidade dos braços. 
Fogueiras
             dança
                      tantan
                              ritmo
Ritmo na luz
ritmo na cor
ritmo no movimento
ritmo nas gretas sangrentas dos pés descalços
ritmo nas unhas descarnadas
Mas ritmo
ritmo.

Ó vozes dolorosas de África!

Agostinho Neto -  in Jornada de África de Manuel Alegre

21 janeiro 2011

CRISTO E ENDOVÉLICO

Cabeça do deus Endovélico, século I d. C., mármore

Portalegre e a Casa-Museu de José Régio; S. Miguel da Mota (Alandroal) e o local onde estaria o santuário pré-romano do deus Endovélico.
Régio era um heterodoxo que coleccionava Cristos, mas só acreditava no Cristo humano, não no divino; e os Romanos eram uns ortodoxos que acreditavam em todos os deuses, até nos dos povos que iam submetendo.
Dará isto para uma passeata de Primavera?
Triste do desassossegado Bernardo Soares que só sabia viajar com a alma!

18 janeiro 2011

Ainda o João Tordo e o Bom Inverno



Entrevista da Geração C ao João Tordo, aquando da sua passagem pela Biblioteca, com a excelente apresentação do nosso mentor Manuel, ouvidos com prazer pela Comunidade de Leitores e não só.

17 janeiro 2011

"JORNADA DE ÁFRICA" II

--- Enviado pela Maria José. Acrescentei-lhe música e voz ----

Nambuangongo meu amor, de Manuel Alegre

http://delta4.no.sapo.pt/malegre17.html

"JORNADA DE ÁFRICA" I

----- Enviado pela Maria José ------

Abaixo el-rei Sebastião

É preciso enterrar el-rei Sebastião
é preciso dizer a toda a gente
que o Desejado já não pode vir.
É preciso quebrar na ideia e na canção
a guitarra fantástica e doente
que alguém trouxe de Alcácer Quibir.

Eu digo que está morto.
Deixai em paz el-rei Sebastião
deixai-o no desastre e na loucura.
Sem precisarmos de sair o porto
temos aqui à mão
a terra da aventura.

Vós que trazeis por dentro
de cada gesto
uma cansada humilhação
deixai falar na vossa voz a voz do vento
cantai em tom de grito e de protesto
matai dentro de vós el-rei Sebastião.

Quem vai tocar a rebate
os sinos de Portugal?
Poeta: é tempo de um punhal
por dentro da canção.
Que é preciso bater em quem nos bate
é preciso enterrar el-rei Sebastião.

Manuel Alegre

16 janeiro 2011

Palavras para que vos quero...

Efeitos de uma tertúlia!
Com amor o fiz
Derramado depois

Em taça depositado
Pelas mãos de Amelie
Em amor de canela de novo o cobri
Sossego então, vozes, conversas, calor da lareira
Aromas, sabores, vinhos, sentidos 

Quietos
Suspensos ouvindo
Fraterna alegria

Pensamentos de um homem
Fragmentos de vida
Se de "L de D" ou dele, nem ele o sabia
Manuel em Pessoa assim nos dizia...

A inspiração da nossa Leitora Graça!

13 janeiro 2011

Uma coisa, traz a outra ...

Henri Matisse
No passado mês de Dezembro o Manuel (o nosso) trouxe-nos (aqui mais em baixo) este belo poema do Herberto Helder.  E agora, ao travar conhecimento com Sebastião, o protagonista da história do Manuel (o Alegre), deparamo-nos novamente com o poema de HH... deram por isso ?

05 janeiro 2011

"Jornada de África" Manuel Alegre - 28 de Janeiro - 21h00

A abrir:
“Estrada da Beira, Dezembro, mil novecentos e sessenta: é um dia cinzento, cai uma chuva miudinha, Lázaro Asdrúbal olha tristemente as águas barrentas do Mondego, que vêm da serra carregadas de destroços. Conseguiu finalmente falar com o Chefe, teve de esperar quase quinze dias, apesar da urgência. Veio de propósito de Luanda para o informar do levantamento que se prepara no Norte da Província. Agora tem de guardar a resposta só para si: «Deixe andar, é um sacrifício necessário, só assim poderemos contar com o apoio do país e do Ocidente.» Os óculos na ponta do nariz, os esses quase assobiados. Lázaro Asdrúbal não esquecerá a frieza, a secura e a determinação dos olhos de peneireiro com que o Chefe o fitou…”

04 janeiro 2011

CARTA DO PAI NATAL - publicada no blogue "Emoções Básicas" pela mão de Cristina Leimart

Carta do Pai Natal a um disperso escrevedor (Ao abrigo do direito de resposta e ainda a tempo do Dia de Reis)


Meu Caro Jovem
Perdoe-me a demora na resposta. Sucede que, polémicas à parte, continuo muito solicitado e andei ocupadíssimo, primeiro nas lides habituais, depois compensando a minha mulher pelas longas horas fora de casa.
Foi com profunda tristeza, alguma complacência e a máxima arterial a 170 que li e reli as suas desalentadas palavras. Vasculho na minha história, sondo de ponta a ponta a minha consciência, e não encontro passos merecedores de tamanha diatribe. Creio que apenas a sã irreverência, própria da juventude cinquentenária do meu amigo, justifica tal tratamento a um idoso como eu. Bem me avisou em tempos certa astróloga: por volta dos meus 115 anos, uma grande arrelia chegaria por correio e, de tão contundente, far-me-ia crescer (Ainda perguntei "Crescer mais?? Para quê? Mas ela lançou-me um olhar reprovador).
Sou pessoa sensível e magoaram-me algumas das suas farpas, quer as de natureza mais filosófica, quer as alusivas à minha aparência. Sem cerimónias, eis o que se me oferece dizer sobre as primeiras:
Mas agora tenho de levar a toda a hora com a lengalenga anti-consumo, a pretexto dos primórdios da minha existência? Por dá cá aquela palha, salta alguém a responsabilizar-me pela agressividade mercantil da marca que me inventou? É injusto e é absurdo.
Injusto, porque eu não tenho culpa das minhas origens. O meu amigo responde pelas suas? Não podemos arcar pela vida fora com o ónus das opções e acções dos nossos progenitores. Absurdo, pela questão dos prazos de validade: as alianças fazem-se e desfazem-se. No meu caso, mergulhei directamente do acto de criação para uma tarefa especificamente comercial, é verdade. Foi nos anos 30 do século passado. Mas onde é que isso já vai! Há que tempos ninguém me vê agarrado a um dístico de refrigerantes. É como um indivíduo divorciar-se e passada uma década ainda lhe falarem constantemente da ex-mulher. Desagradável. Ainda por cima são essas vozes de revolta mal dirigida que alimentam, nesta quadra e gratuitamente, o portentoso caudal de publicidade à referida marca, pois, como sabe, nos códigos do marketing o que importa é ser-se falado, bem ou mal.
Quanto a promover o consumismo: Eu? Eu, que só saio da toca duas ou três semanas em Dezembro? Então os outros onze meses do ano? Sou eu que canalizo milhares para formigarem pelos centros comerciais das vilas e cidades nos fins-de-semana de sol, nas tardes de primavera? (Dou este exemplo, por me constar que o seu país vai à frente nesse distinto passatempo).
E antes que lhe ocorra imputar-me as enormes desigualdades materiais das famílias, digo-lhe já que reclame noutra secção, com quem fez o mundo assim. Limito-me a entregar o que me mandam - sou apenas o estafeta. Abracei o projecto de distribuir prendas aos miúdos porque me identifiquei com ele. Comecei como mero assalariado, nunca subi na hierarquia, não pedi para ser a estrela do consumismo sazonal do ocidente, e há muito que opero na base do voluntariado responsável. Faço o melhor que posso.
Acredito ter conquistado, assim, o direito a uma existência autónoma, digna e íntegra. Não sou avalista de todas as palermices que inventam a meu respeito, mas sou alheio às réplicas da minha pessoa empoleiradas aí pelas varandas. Alguém, nesta época de twitters e facebooks, poderá assumir os usos indevidos da sua imagem globalizada? Se vamos a matutar nisso, será melhor eu pôr-me a despejar tranquilizantes pelas chaminés abaixo.
É verdade que já poderia ter arrumado as botas. Mas, por um simples erro de génese, vestia agora um fato de treino e enterrava a cabeça nas neves da Lapónia? Não. Como é ingénuo o meu amigo, ao pensar que me movem as comissões das grandes multinacionais. O meu intento é outro. É adiar o face-a-face com a solidão na velhice, é resistir ao medo terrível da inutilidade. Há muito que me sinto escorregando num plano untado a sebo de rena, inclinado a 30 graus sobre a fenda escura da morte. Esta sensação é comum na minha idade e até em pessoas mais novas. Passar a noite de Natal voando pelos céus, nas asas da imaginação, nossa ou de outros, é a minha forma de me agarrar a qualquer ressalto ou cavidade que encontre nessa supefície ímpia. É a minha forma de iludir um tempo que corre muitíssimo mais veloz do que me foi prometido no início da minha existência.
Quanto ao menino Jesus, nada contra. Nutro um carinho de avô por esse eterno bebé, e além disso há mercado para os dois. Tenho alguma vaidade por reunir o consenso entre as famílias que não se revêem nos episódios e personagens bíblicas, mas ninguém me ouvirá uma palavra menos cortês sobre a concorrência. Excessos de competição são desaconselhados na minha idade e esvaziam-nos de energia anímica. Já a quebra de popularidade do Pequeno no coração das pessoas, palpita-me que se deve, isso sim, à incorrigível soberba da massa católica, dos marechais aos soldados rasos.
Por fim: A minha fatiota. Que é que tem?? Eu gosto. O vermelho significa alegria e tonicidade, qualidades nada de desprezar num velho. Além disso, como sou forte, nem tudo me assenta bem. Efectivamente, já nasci com este índice de massa corporal, e ninguém se penaliza mais por isso. Não poderia adoptar uma tanga tipo Jesus, que praticamente nasceu nos trópicos, e também não estou para imitar o São Nicolau: o púrpura e o marfim não me favorecem e as vestes compridas travam-me os movimentos.
Dito tudo isto, meu jovem amigo, estou consigo no desalento perante um Natal esvaziado de sentido. Porém, na tresloucaria refinada que é Dezembro, eu não vejo tanto a ânsia de consumir e possuir - vejo mais a urgência das pessoas em quebrar a rotina a todo o custo, em encher os dias com objectivos palpáveis e próximos, passos e palavras especiais, ainda que frívolos e fugazes. O espírito até existe, mas agora é outro. Jesus cresceu. A humanidade está para lá de madura.
Deste, que afectuosamente o compreeende,

Pai Natal

01 janeiro 2011

Sorrir em dia de Ano Novo

A minha Alma, fugiu pela Torre Eiffel acima,
- A verdade é esta, não nos criemos mais ilusões
- Fugiu, mas foi apanhada pela antena da T.S.F.
Que a transmitiu pelo infinito em ondas hertzianas…
(Em todo o caso que belo fim para a minha Alma!...)
Mário de Sá Carneiro