26 dezembro 2012

NATAL POÉTICO II








Arriscar uma certa contra-mão, infringir, de algum modo, os costumes, reinventando as noites, ditas especiais, pode ser desconcertante e, por isso mesmo, compensador.
Já a ceia pouco natalícia, com o bacalhau metamorfoseado em pataniscas, acompanhado do tomatado arroz, tinha sido manducada a quatro bocas, mai-las repetidas sobremesas, quando surgiu a primeira visita poética, a Etel, largando sorrateiramente a família, mas vindo equipada com deliciosas filhoses, bondosamente surripiadas à natalícia mesa.
Cumprimentos, conversa, adivinhas e prendinhas, bebe aqui, petisca acolá … E não há meio de chegar o resto do pessoal! Onde vão as 23 horas combinadas… E os poemas a arrefecer…
Aquela gente evaporou-se, ou antes, evaporou-se a ideia de nos reunirmos… meia noite, nada.
Vai-se embora a primeira participante, sem participar, mas eis que aparece a inesperada, mas bem vinda Sandra, num halo de fumo (não tão bem vindo).
Mais entretém, chegam, não chegam, vêm não vêm, lá acabam por adregar à Costa dos Sete Castelos os três intrépidos em falta! Meia noite e Meia!
Verdadeira quasi-vigília foi a sessão de poemas. Esperem pelo fenómeno!
Em primeiro lugar, é justo que se adiante, o nosso poeta de serviço (já pegou o dito) teve uma prestação de aplaudir, com uma criteriosa seleção de poemas, nem  todos fáceis de ler e apreender (e vice-versa), mas o Espírito Poético, que nos visitou o ano passado, por especial sortilégio de Mr Scrooge, fez também das suas este ano e, quando demos por ele, tinha-se instalado, refasteladamente, entre nós!… Senão vejamos: num primeiro momento, ora agora dizes tu, ora agora digo eu, foram os poemas selecionados circulando, intercalando vozes femininas e vozes masculinas, algumas vezes era necessário repetir, para saborear melhor (alguns não eram para entender). Depois a coisa entrou numa roda que parecia livre, mas vendo bem as coisas, era o Espírito Poético a conduzir, pela noite dentro, o pessoal insone.
Sucederam-se então quase todos os poemas enviados por alguns; e as escolhas pessoais iam surgindo: pontuaram  João de Deus, Sophia de M. Breyner, Sebastião da Gama, António Gedeão, a nossa amiga madeirense Lucília, entre outros; não faltou um soneto de Camões; lembrámos Mário Dionísio e Garrett (Garretxi), a evocar Santarém  e a Joaninha. Mas quando demos por isso, estava a Manuela a cantar a Barca Bela e dali até à Samaritana foi um pequeno passo, acompanhada de perto pela emoção do nosso amigo e poeta. Ai Fado!
Conclusão: Eram 2.30h, o dia 25 de Dezembro a empurrar, com tarefas a cumprir e o Espírito a refilar, que queria continuar com a poesia e o cantorio, pois então!
Depois de todos saírem, tentei apagar as velas, mas só consegui depois de prometer ao Espírito que não vamos esperar UM ANO para voltar a convocá-lo assim, com simplicidade, sem qualquer pretensão a não ser esta: o pretexto da Beleza e da Palavra, que nos congregam para além de todas as diferenças!
É verdade: obrigada a todos os participantes, os presentes e os outros, apenas fisicamente ausentes. Acho que a certa altura estávamos ali todos! Coisas do Espírito!

NATAL 2012




















Sandro Botticelli (1444-1510). A Virgem com o Menino,
Museo Poldi Pezzoli, Milão


Em Prol das Leituras do próximo ano!

22 dezembro 2012

Poema de NataL


De novo o alarde rútilo dos luzeiros de NataL, o colorido
das árvores, a música que alastra sobre o plasma
da noite. Estou do lado de cá da festa, na margem
do passeio, rente à sombra dos muros por onde crescem,
quando é tempo, os  braços meigos das buganvílias.
Vejo de fora, através das janelas, o recorte de lentas
figuras de cera. Transportam no bojo, como numa
mala, a inexequível persuasão da vida, o pano gasto
de alegrias reeditadas em cada época. Nada me move,
nada me comove. Peço-te, por isso, que não venhas
agora: para além do mais seria de mau gosto
e nada adiantaria ao nosso caso. Deixa que se extingam
as volutas da quadra e procura-me depois, pela manhã
de um tempo mais verdadeiro e mais humano.

JOSÉ RAFAEL

21 dezembro 2012

Nesta época natalícia de «comezainas», continuemos «devoradores de livros».
FELIZNATAL

17 dezembro 2012

AS PEGAS DE SINTRA

Palácio Nacional de Sintra, Sala das Pegas
 
O caso dos meus amores andava mais público do que eu podia supor. Entretanto sorri, um sorriso curto, fugitivo e guloso – palreiro como as pegas de Sintra.
 
 Memórias Póstumas de Brás Cubas, capítulo LXXXII Questão de Botânica


16 dezembro 2012

Para quem gosta dos clássicos e não se amedronta perante os vastos e densos «russos», aqui está uma nova versão cinematográfica, teatral e inovadora, desta obra tantas vezes revisitada pelo cinema. De salientar os excelentes actores (os olhos marejados de lágrimas de Keira Knigthley dizem tudo sobre o sofrimento interior de Anna, vítima de si, da sociedade que a rodeia, dos desacertos do mundo e do amor).
De revisitar ,mesmo, é a extensa obra de Tolstoi, um livro de sempre (coragem para as seiscentas e tal páginas em letra miúda da edição que aqui tenho), que não se esgota na história infeliz de Anna Karenina. O realizador , Joe Wright, já assinou as adaptações de Orgulho e Preconceito e Expiação, com a mesma protagonista.

Segue uma crítica:

«Regressamos ao séc. XIX, re-imaginado sob a alçada da opulência da alta-sociedade russa, para revisitar a história da personagem titular, uma famosa aristocrata que se vê envolvida num caso extraconjugal que colocará em causa o seu estatuto na sociedade e família. A exploração da capacidade de amar, em todas as suas formas, nasce das palavras do celebrado autor russo Leo Tolstoy, que vê a sua obra adaptada para o argumento do dramaturgo inglês Tom Stoppard.
Parafraseando William Shakespeare, “o mundo inteiro é um palco, e todos os homens e mulheres não passam de meros atores; têm saídas e entradas, e cada um no seu tempo representa diversos papéis”, e Joe Wright cria aqui um conceito que é simples de explicar, mas terrivelmente difícil de executar: o romance é apresentado como uma peça dentro de um filme, um olhar microscópico sobre a vida deste pedaço de aristocracia, da bancada de uma produção teatral, usando apenas, quando estritamente necessário, uma linguagem e expressão cinematográfica mais tradicional, um pouco incompreendida entre a crítica, que praticamente apelidou a sua abordagem de “salta-pocinhas de necessidade”.
O dispositivo aparentemente bifurcado serve, no entanto, um claro propósito de comentário social sobre a forma como a alta sociedade tem sempre um papel a representar e, por oposição, como a vida rural e simples é sinónimo de uma vivência mais real e orgânica, livre da artificialidade.
Não são mecanismos subtis, mas é também essa exposição “desavergonhada” que torna “Anna Karenina” num pedaço cinematográfico com sabor igual a nenhum outro. O conceito é visual e intelectualmente estimulante, um exercício de interseção entre literatura, cinema e teatro que, apesar de não ser a melhor incursão do realizador – nunca consegue suplantar o poder dramático e emocional de “Orgulho e Preconceito” e “Expiação” – é entusiástico, corajoso e vistoso.
Keira Knigthley cria uma Anna complexa e contraditória, que tanto é heroica como quase vilanesca, fazendo revisitar o eterno dilema sobre a protagonista: será ela uma vítima do seu posicionamento numa sociedade patriarcal, ou uma mulher neurótica e narcisista?
Se Jude Law fosse dez anos mais novo, seria uma escolha óbvia para interpretar o fervoroso Conde Vronsky sendo, como já veio a provar em papéis semelhantes, fabuloso. Felizmente, a cara laroca vem acompanhada de talento, e é uma lufada de ar fresco ver Law num papel que foi tantas vezes o dos seus “rivais” românticos, e o ator britânico vive-o intensamente.
O erro mais gritante da produção jaz no casting do Conde Vronsky, e Aaron Taylor-Johnson (que tinha dado promissoras indicações em “Selvagens”, de Oliver Stone, ainda este ano) cria um amante esmagado pelo uniforme e opulência do seu bigode que, além do visual manifestamente agradável à vista, poucos mais atributos apresenta à emoção que justificassem uma qualquer pinga de simpatia por si.
O maior e definitivo problema de “Anna Karenina” é, infelizmente, dramático. Resumir uma obra de mais de 800 páginas a duas horas é uma luta desigual e impossível de vencer perante todos aqueles que já viajaram pelas páginas envelhecidas de Tolstoy. A tragédia é condensada e acelerada, mas mesmo assim, fica a ideia de que algo poderia ter sido feito para tornar esta tragédia naquilo que ela verdadeiramente foi: uma tragédia com grandeza e poder de ópera, e não um simples melodrama.
De todo o modo, “Anna Karenina” pode ter falhado algumas notas pelo caminho - como o fez -, mas criou, mesmo desse jeito e forma, um evento cinematográfico, um tema de conversa, um filme que ambicionou quebrar as convenções da tradição de filmar uma história, contando-a numa espécie de híbrido de meios. Um quadro vivo transposto para um orgasmo visual, uma espécie de ballet sem dança infundido numa ópera sem cantores.
Consegui-lo com este grau de sucesso é um feito, e o que sobra são duas horas do mais ousado, sumptuoso, luxuoso e belo Cinema do ano.
E aí está ela. A deixa para aplaudir de pé.»
Por: Catarina D'Oliveira
 

15 dezembro 2012

Memórias Posthumas

«Todavia, importa dizer que este livro é escrito com pachorra, com a pachorra de um homem já desafrontado da brevidade do século, obra supinamente filosófica, de uma filosofia desigual, agora austera, logo brincalhona, cousa que não edifica nem destrói  não inflama nem regela, e é todavia mais do que passatempo e menos do que apostolado.»

Ainda o Grande Gatsby

Capa da edição original de 1925
F. Scott Fitzgerald marcou e «criou» a geração dos «loucos» anos 20, a «geração perdida» entre as Guerras, para a qual é necessário viver a todo o custo, apesar de tudo e todos. Tanto pela sua obra como pela sua vivência pessoal.
O grande Gatsby é o epítome da «Jazz age», das «flappers», das festas loucas, personagens ao sabor do vento, fazendo tudo o que lhes é permitido,  numa América que saboreia uma «libertação» moral, o progresso técnico e o dinheiro fácil. Gatsby aparece como uma materialização do «sonho americano»: o enriquecimento (de que forma?), que permite a qualquer um ser «alguém», ir a qualquer lado, conquistar tudo, alcançar o sonho. Paradoxalmente, o sonho de Gatsby é um desejo de aceitação, de reinvenção, para alcançar um vácuo passado de ecos românticos. Contudo na «terra dos sonhos», nem estes se alcançam ou se compram. Ou se tornam realidade...Realidade que se revela, sob as rodas de um carro veloz, no «Vale das Cinzas», que separa dois mundos distintos na «terra de todas as oportunidades» e supostas igualdades, onde as personagens amorais vagueiam sob o olhar sem face do Dr. J. T. Eckleburg...

O EMPLASTO, cap. II


A PEDIDO DE ...

13 de Dezembro -- Nova aventura de Os Cinco na Biblioteca Municipal de Cascais. Apanhados à sombra da árvore-de-Natal-de-livros quando iam em demanda de "O Grande Gatsby" de F.Scott Fitzgerald. Um deles parece que está a dormir, e mesmo assim sorri.

14 dezembro 2012

"MEMÓRIAS PÓSTUMAS DE BRÁS CUBAS" - Sexta-feira, 28 de Dezembro, 21 horas

maalilustrações - www.maal.com.br
 
EXORTAÇÃO A QUEM AINDA NÃO TENHA COMEÇADO A LER
 
Cheguei ao capítulo XII, “Um episódio de 1814”, onde se fala da primeira queda de Napoleão e do regozijo público na sociedade colonial do Rio de Janeiro, do tráfico negreiro, de um espadim de menino, e também de um exímio glosador – Vilaça, de seu nome – que conhecera Bocage no Nicola e beijava senhoras ao lusco-fusco, por detrás das moitas, com os olhos chispados de vinho e de volúpia.
LEIAM QUE NÃO CUSTA NADA, ABSOLUTAMENTE INDOLOR!


12 dezembro 2012

VERÃO DE 1922 - "A reivindicação do amor"

Um desenho torrencial de sentimentos e ilusões no pino do Verão. Um saxofone rouco por entre o bulício da City e a perícia veloz de bootleggers e especuladores bolsistas.  Um sopro de jazz, um clarão eléctrico e industrial, um hidroplano na baía clara. Rosy Rosenthal, o velho restaurante Metrople e o crime. A reivindicação do amor, o amor traído. A aceleração letal  dum carro amarelo, um fato cor-de-rosa sobre o green do jardim da casa, uma piscina com fios de sangue, perecendo de folhas.
Não basta o desenho, é preciso ler nas linhas de fuga que o conformam.
 

Na Comunidade de Leitores da Biblioteca de Cascais, 13 de Dezembro, 18:30, ciclo de leituras “A Reivindicação do Amor”.

07 dezembro 2012

Comunidades de Leitores

O Nosso Tempo de 04 Dez 2012 - RTP Play - RTP

Mão amiga fez chegar à nossa Leitora Joca e ela que gosta de partilhar fez-nos chegar a todos. Porque estes momentos merecem registo, cá fica para memória futura. Ora espreitem a partir do minuto 18, que bem que está representada esta nossa Comunidade!

06 dezembro 2012

MACHADO e EÇA

Machado de Assis (1839-1908)
 
As relações entre os dois grandes mestres do realismo de língua portuguesa foram praticamente inexistentes. Porém, uma crítica de Machado de Assis em O Cruzeiro (16 e 30 de Abril de 1878) poderia ter dado origem a uma polémica com Eça de Queiroz. Por razões um tanto enigmáticas, não deu. Eça fez-se de orelhas moucas e só indirectamente veio definir a sua posição sobre o assunto.
Que dizia Machado? Em primeiro lugar, que Eça imitara Zola no seu romance La faute de l’ abbé Mouret ao escrever O Crime do Padre Amaro (2ª versão da obra, que foi a lida pelo escritor brasileiro); depois, que O Primo Basílio, em Luiza e no fundamental da construção romanesca, era concupiscente, repugnante e de um erotismo inaceitável; finalmente, que nada desta literatura era comparável com obras do romantismo português e brasileiro como O Monge de Cister, o Arco de Santana ou o Guarany.
Machado de Assis ainda não tinha publicado, por esta altura, os romances realistas que o tornaram célebre: Memórias Póstumas de Brás Cubas, Quincas Borba, Dom Casmurro, Esaú e Jacó. Também ele fez o seu caminho do romantismo às formas avançadas da nova arte. Eça e Emília (a esposa) liam-no em Paris, e certamente o admiravam.
Diz-nos A. Campos Matos no seu livro Sobre Eça de Queiroz (Lisboa, Livros Horizonte, 2002): “Quando Eça morreu, Machado quebra o seu silêncio escrevendo: ‘Que hei-de eu dizer que valha esta calamidade?’. Nesse mesmo texto, de uma carta, confessou que começara em Eça pela estranheza acabando pela admiração. É caso para dizer, citando Fernando Pessoa, ‘primeiro estranha-se, depois entranha-se’…”.

03 dezembro 2012

ESTE MÊS

Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis
 
AO VERME
QUE
PRIMEIRO ROEU AS FRIAS CARNES
DO MEU CADÁVER
DEDICO
COMO SAUDOSA LEMBRANÇA
ESTAS
MEMÓRIAS PÓSTUMAS


CLARICE, AINDA

JOANA
(no capítulo “O Encontro de Otávio”)

                      A todos os que não compreendendo, compreenderam

A noite dobrava-se inquieta sobre o dorso dos pássaros,
o luar e a sombra estalavam nos móveis do quarto
e as asas do sonho trespassavam de verbos o poliedro
infinito das sensações. Pensou: “Sou a onda leve
que não tem outro campo senão o mar” – mas talvez
nem chegasse a acreditar no que pensava… Cercava-a
uma auréola de ínvia maldade, o poder desmedido
de se sentir mulher e conhecer o futuro das palavras
muito antes de elas se tornarem presente e passado.
Do amor, intuía que era um lugar de onde se podia fugir
pela porta dum livro ou duma grande ideia, enquanto
na cama, a seu lado, frágil como uma folha ou um fruto,
o homem soprava a lenta respiração do sono: insciente
e inerme, pronto para morrer e ser esquecido. 

JOSÉ RAFAEL