27 março 2012

"A BRAZILEIRA DE PRAZINS"


O leitor pergunta:
Qual é o intuito scientifico, disciplinar, moderno, d´este romance? Que prova e conclue? Que ha ahi proveitoso como elemento que reorganise o individuo ou a especie?
Respondo: Nada, pela palavra, nada. O meu romance não pretende reorganisar coisa nenhuma. E o auctor d´esta obra esteril assevera, em nome do patriarcha Voltaire, que deixaremos este mundo tolo e máo, tal qual era quando cá entramos.

(Explicit de A Brazileira de Prazins de Camillo Castello Branco, Porto, Livraria Lélo, s/d.)

25 março 2012

SIGAMOS A LAMPREIA, SIM





Direi pois, sigamos a lampreia, o cherne e o que mais adregar, desde que o façamos juntos!
Foi assim, conforme se documenta, a partilha do sacrificado animal (impossível de seguir pelo rio acima) e a leitura do heroicamente decifrado e belo poema de José Rafael, mais belo ainda pela satisfeita digestão do improvável peixe...

 
A 23 de Março de 2012, em Campo de Ourique, na sequência comemorativa do dia da poesia, com Fernando Pessoa, idem.

SIGAMOS A LAMPREIA!


A Alexandre O´Neill

Sigamos o cherne, minha Amiga!
Desçamos ao fundo do desejo (...)

Do livro No Reino da Dinamarca (1958)



Sigamos a lampreia, meus amigos,
esse improvável peixe de misteriosas hidrografias,
de secretos rios que se entregam a outros rios

na jusante do sexo rubro das águas: afluentes

do sonho e do contentamento contra o abismo

incolor dos dias comuns. Sigamo-la, pois,

já que aqui estamos rendidos ao seu perfil

silencioso,  dispostos a aceitar  

que subiremos as veias de água

dolorosamente talhadas no corpo  da terra,
cursos líquidos do infinito desejo,
com a naturalidade 
de quem se entrega para morrer e renascer

nos açudes do amor.


JOSÉ RAFAEL
C. Bode, q.-f. c., 25 de Fevereiro de 2004

(Poema dito em 23 de Março de 2012 depois de um jantar de lampreia com vários elementos da Comunidade.)

22 março 2012

AO JOSÉ RAFAEL (Entardecer)

Pássaro ferido sobre as águas, que a maré arrasta pela praia no suave vai-vem da rebentação chorosa, o teu corpo inerme vai desenhando sobre a areia arabescos de dor que se apagam e renovam sem cessar.
Ah, como gostaria de te levar comigo— diz a criança que passa. Mas quando se debruça para o apanhar, uma onda maior leva tudo consigo: o pássaro ferido, a criança, a luz do dia.

Na profunda quietude da noite, a onda cintila longamente no horizonte perdido.

(Tudo está consumado, diz o luar)




(Aceder aos poemas de José Rafael)

11 março 2012

AMARANTE, 14 E 15 DE ABRIL

Se concordarem, uma leitura para a nossa viagem. Vão pensando nisso, na sessão de dia 30 falamos sobre o assunto.

10 março 2012

Porque há mais mundos (triviais) para além dos livros, trago-vos este bocadinho de prosa.

“HÁ MAR E MAR...


... Há ir e voltar”: velho ditado inscrito, a branco já muito delido, na velha bóia de cortiça do I.S.N., forrada a tela debruada, a que muitas repinturas de vermelho dão uma patine de cuidado marinheiro. Completa a imagem uma corda branca, presa a espaços regulares, que circunda a bóia pelo seu perímetro exterior. Está toda empertigada, numa peanha, com outros acessórios de salvamento, um cartaz explicativo da forma de socorrer um náufrago, desenhos que põem a boca e o corpo do socorrista ao serviço do outro corpo, o que precisa urgentemente de salvação: tudo isso forma um conjunto, há um perímetro protegido, também por cordas. Ninguém se atreve a violar aquele espaço, só ele livre, precária clareira em toda a extensão da areia, pelo meio do dia, com o sol a pique, a morder os ombros, as ancas, os tornozelos.
Vem o pôr-do-sol e a noite, a praia esvazia-se, mas a bóia continua sempre ali, vigilante, avisando os incautos: cuidado com o mar, ele é traiçoeiro, tem duas palavras diferentes, tudo parece fácil para ir, e tudo se pode complicar na volta.
É quando julgo ter assumido enfim que tudo é, em última instância, espantosamente irrelevante, que esta imagem, resgatada da infância, este aviso, repetido aos meus ouvidos até à exaustão, me chega de novo, por outras vias e inesperadas origens. Apercebo-me da múltipla trivialidade, rugosidade incómoda que alimenta o quotidiano, como recurso inesgotável de comunicação.
Compreendo também que todo o trivial se resolve numa certa forma de traição: nada é apenas o que pode parecer, o mar calmo, o sol de Março, o entendimento entre nós.
“Há mar e mar...” muitas vezes, avançamos numa relação como um nadador inseguro que se aventura no mar sem avaliar bem a distância que terá de percorrer para voltar à praia.
Acontecem sempre muitas coisas, cujo valor depois se relativiza ou a que ficamos presos pela memória, como farrapos precariamente presos a arbustos espinhosos que o vendaval arrasta pela paisagem desolada.
Náufragos da afectividade, num mar de ambiguidades e mal entendidos, quando nos julgamos a salvo, resgatados pela consciência da omnipresente irrelevância, percebemos enfim que voltámos, sim, mas não à mesma praia.

08 março 2012

O Remexido n’A Brasileira de Prazins
















Cena das lutas liberais no Algarve

“Em 1836 apareceu no Algarve a poderosa guerrilha de José Joaquim de Sousa Reis, o Remexido, em São Bartolomeu de Messines.”…

“José Joaquim, o Remexido, era um bem figurado homem de trinta e oito anos. Nascera em Estômbar, estudara para clérigo no seminário de Faro, e distinguira-se em perspicácia e subtileza na percepção das teologias. O amor inutilizou-lhe o talento aplicado a um pacífico e humaníssimo destino. Viu uma esbelta moça de São Bartolomeu de Messines quando aí foi pregar um sermão, sendo minorista. As serenas visões do levita deslumbrou-lhas a formosa algarvia. Não hesitou entre o amor da humanidade e o culto egoísta da família. Casou, e de homem estudioso e contemplativo, volveu-se lavrador, lidou rudemente nas searas, e redobrou de esforços à proporção que os filhos lhe multiplicavam o amor e os cuidados.

Insensivelmente compenetrou-se da paixão política. Nesta província, onde em 1808 estalou o primeiro grito contra o domínio francês, a liberdade proclamada em 1820 abriu um abismo entre duas facções que por espaço de dezoito anos se despedaçaram. José Joaquim de Sousa Reis alistou-se entre a clerezia de quem recebera as boas e as más ideias, e manifestou-se em 1823 um ardente sectário das más, perseguindo os afeiçoados à revolução do Porto. Em 1826 emigrou para Espanha, e voltando em 1828 extremou-se entre os aclamadores do rei absoluto. Daí em diante, receoso das retaliações, não teve mais uma hora de remansoso contentamento nem abriu mão da espada tão afoita quanto cruel.”

Após a Convenção de Évora-Monte, em 1834, foi perseguido e a sua família ameaçada pelos vitoriosos liberais, o que o levou a desencadear uma luta de guerrilha que culminou com a sua prisão, julgamento e fuzilamento em 1838.

Diversos crimes foram cometidos em seu nome e rapidamente se tornou uma lenda de temor que se espalhou até ao Alentejo. Contudo, estudos recentes parecem ilibá-lo de tais crimes e acções ignominiosas