25 fevereiro 2015

CARAVANÇARAI bis bis


As nossas leitoras versadas em Garrett, Santarém, Joaninha, Carlos & Cª Lda. que recordem o capítulo XXXII das “Viagens”, de como o protagonista, barão a haver, adormeceu num caravançarai e acordou na beatitude de uma cela do Convento de S. Francisco.
«Quando acordou já se não viu no vasto caravançarai daquele confuso hospital, mas num pequeno quarto arejado, limpo, quase confortável que em tudo parecia cela de convento, menos na boa cama em que jazia o doente, e na extremada elegância do enfermeiro que o velava.»

No capítulo II já havia ficado a seguinte passagem:

«Estamos em Vila Nova e às portas do nojento caravançarai, único asilo do viajante nesta, hoje, a mais frequentada das estradas do reino.»
Para o Garrett, como se vê, isto de caravançarais era manjar de pequeno-almoço.
Entretanto, aproveito para divulgar o "SONETO DO CARAVANÇARAI" de um poeta de Porto Alegre, cidade onde já dormi umas proveitosas noites, por acaso em nenhum caravançarai mas num hotel de quatro estrelas longe das rotas das caravanas:
«Mais do que um porto, ó minha donzela, / O teu seio é um caravançarai / Onde rebrilha a mais tranquila estrela.»
Muito bonito. Não consigo imaginar como seria o seio da donzela.
SONETO DO CARAVANÇARAI
Eu sou poeta, e tenho em meu ofício
O leve fardo de cantar em verso
O amor sereno que há nesse universo
Sem que se faça dessas letras vício.

Por isso canto, e há nesse bulício
O suave toque que me tem converso;
Fico a teus pés, mas sem orgulho, imerso
Pois que senão seria um só suplício...

Mais do que um porto, ó minha donzela,
O teu seio é um caravançarai
Onde rebrilha a mais tranqüila estrela

Que mansa, quando a caravana vai,
Um doce brilho em teu olhar revela:
Renasce o amor e enfim a noite cai.
© FRANCISCO SETTINERI
In poesiaportoalegria (blog)
Link: http://goo.gl/I1cjS

NA JORDÂNIA, A 300 Km DO IRAQUE...

Eis então um Caravançarai do deserto, como uma fortaleza e que foi em tempos local de paragem, abrigo, repouso; local de encontro, de trocas de mercadorias e de ideias, muito mais que uma simples estalagem ocidental.


20 fevereiro 2015

Caravançarai

"Caravançarai" significa literalmente em persa "palácio de caravanas".
O termo caravançarai designava um tipo de estabelecimento de tipo hoteleiro (pousada ou estalagem) que se encontrava sobretudo no Médio Oriente, Ásia Central e Norte de África, mas também existiu um pouco por todo o Mediterrâneo e na China, que se destinava a mercadores viajantes. Geralmente esses estabelecimentos também tinham funções de armazém ou entreposto comercial e situavam-se à beira de estradas, embora também fosse comum existirem em áreas comerciais de cidades, sendo usual nestes casos que fossem também mercados. Os caravançarais tinham uma função importante no apoio aos fluxos comerciais, proporcionando um local seguro onde os comerciantes em viagem, frequentemente estrangeiros, podiam descansar tendo as suas mercadorias e gado em segurança, e eram uma peça fundamental da extensa rede de rotas comerciais.

De Samarcanda (página 264, da edição Difel), pode ler-se:
“Os nossos viajantes andam demasiado apressados nos nossos dias, impacientes de chegar, de chegar a todo o custo, mas não é só ao fim do caminho que se chega. A cada etapa chegamos a algum lado, a cada passo podemos descobrir uma face oculta do nosso planeta, basta olhar, desejar, acreditar, amar.”

Hoje, que não temos caravançarais activos, podemos criar espaços, no nosso caminho, sem pressa, para olhar, desejar, acreditar, amar…e também para ler e comunicar.
Estaremos nós, em cada sessão da Comunidade de Leitores de S.D.Rana, num caravançarai de cultura, e não sabemos? (esta, é para ti, João J )

Aqui fica a imagem de um caravançarai, na Turquia. Se se aplicarem, talvez vejam alguém conhecido, algures na Anatólia, Turquia, em Outubro de 2011…


E podem apreciar melhor ouvindo esta música de Kitaro, com o título, justamente, de Caravançarai:

12 fevereiro 2015

Samarcanda, um outro olhar

Amin Maalouf, nascido em 1949, em Beirute, tem as suas origens familiares nas culturas árabes muçulmanas e cristãs do Líbano, esse pedaço da Terra, onde a guerra sempre se cruzou com as migrações de povos e um intenso tráfego comercial. Vive desde 1976, em Paris, fugindo de um palco de guerra civil onde as lutas nos campos religioso e politico, são ainda uma realidade. A sua fluência em árabe e o conhecimento profundo da História do Médio Oriente, faz dele um embaixador privilegiado de uma cultura que seduz, interpela e para a qual o ocidente olha e muitas vezes não compreende.
Não sendo historiador, toda a sua obra literária vai beber no Oriente, a inspiração, a linguagem poética e a luz que o tornam tão lido e traduzido em todo o mundo. 
Quem ler Samarcanda, mergulha num universo poético e carregado de simbolismo, onde vemos as personagens moverem-se em cenários de lutas pelo poder, conhecimento, intrigas de haréns, assassinatos políticos e sectarismos que espalham o terror. A vida humana parece ficar ao sabor de vontades mesquinhas ou sublimes. Pelo meio uma história de amor, que nos toca e cujo final trágico nos coloca perante o estatuto tão diversificado que a mulher sempre desempenhou na cultura árabe islâmica. 
Samarcanda remete-nos para a Rota da Seda, a cultura persa e turca, o poeta, astrónomo e filósofo Uma-I Khayyãm (1048-1132) e para a seita dos assassinos e o seu refúgio de Alamut. 
O Islão, já estava dividido entre os seguidores de Omar, companheiro do Profeta Maomé (sunitas) e Ali, genro do Profeta (xiitas). Do ramo xiita, surgia com violência a facção Ismaelita. Corria o século XII e na Europa, preparavam-se as cruzadas. Na Península Ibérica, o Califado de Córdova, desmembrava-se em pequenos reinos, as Taifas. No espaço onde surgirá Portugal, Afonso Henriques, nasce em 1109.

O livro, Umar-i Kahayyãm “RUBAÃ’IYAT”, única tradução directa do original persa para português, da autoria de Halima Naimova, nascida no Tajiquistão, república da ex- URSS e minha professora na Universidade Católica.
O prefácio do livro:

Terá sido neste relato belíssimo que Oscar Wilde, se inspirou para escrever o final do conto O Gigante Egoísta? Foi o primeiro livro que li. Gosto de imaginar que sim!

“…A criança sorriu para o Gigante e lhe disse:

- Você me deixou, certa vez, brincar em seu jardim, e hoje você irá comigo para ao meu jardim que é o Paraíso.

Naquela tarde, quando as crianças chegaram correndo, encontraram o Gigante morto, deitado debaixo da árvore, todo coberto por flores brancas.”

O meu amigo Joaquim Castilho, viajante incansável, que já esteve em Samarcanda, permitiu o acesso a:

E ao filme:

Manuela Correia- Membro da Comunidade de Leitores

08 fevereiro 2015

Samarcanda




Iluminura persa



Samarcanda, cidade das encruzilhadas de rotas e impérios, de «(...) densos vergéis e cristalinos riachos. Depois, aqui e além, o arremesso de um minarete de tijolo, uma cúpula cinzelada de sombra, a brancura de um muro de belvedere. E, à beira de um lago, acobertada pelos chorões, uma banhista nua que expunha a sua cabeleira ao vento abrasador.» Amin Maalouf, Samarcanda, p. 21.
Entre reis mongóis e e príncipes seljúcidas que ascendem como uma onda, para se desfazerem em pó, entre belas cidades, onde o sol  faz refulgir os azulejos esmaltados e os amantes se escondem nos jardins perfumados, seguimos o sábio Omar Khayam:


Azulejo de Kashan
Que homem jamais transgrediu a Tua Lei, diz-me!
Uma vida sem pecado, que gosto tem ela, diz-me!
Se punes pelo mal o mal que eu fiz,
Qual a diferença entre ti e mim, diz-me!

O nosso livro transporta-nos para uma diferente cultura, para o fascinante e encantado Oriente, que tem captado as imaginações ocidentais (o tal Orientalismo tão criticado por Edward Said, como estereótipo prejudicial à região). Pode ser que Said tenha razão, mas o encanto provém também da admiração por uma cultura com um passado florescente.


Kashan, nicho de oração, finais do séc. XIII. Museu Gulbenkian, Lisboa



Samarcanda (?) pintura do séc. XIX Vasily Vereshchagin, 
Ispaão- Praça de Naqsh Jahan  de Pascal Coste , início do séc. XIX

Bucara- muralhas

Horoscope of Prince Iskandar, grandson of Tamerlane, the Turkman Mongol conqueror.

Bowl with prince on horseback, Seljuq period (1040–1196), 12th–13th century. Metropolitan Museum , N. Y.




05 fevereiro 2015

"Samarcanda", Amin Maalouf, - 27 de fevereiro - 21 H

 
A abrir:

"No fundo do Atlântico, há um livro. É a sua história que eu vou contar.
Talvez lhe conheçais o desenlace, os jornais relataram-no na época, algumas obras mencionaram-no desde então: quando o Titanic se afundou, na noite de 14 para 15 de Abril de 1912, ao largo da Terra Nova, a mais prestigiosa das vítimas era um livro, exemplar único dos robaiyat de Omar Khayyam, sábio persa, poeta, astrónomo."

"E agora passeia o teu olhar por sobre Samarcanda! Não é deveras rainha da Terra? Altiva, acima de todas as cidades, e nas mãos dela os seus destinos?" 

Edgar Allan Poe (1809-1849)

02 fevereiro 2015

BREVES REFLEXÕES SOBRE O LIVRO DE JANEIRO



Primeiro era o fogo. «Queimar era um prazer.» Queimar  capas e contra-capas, as lombadas,as folhas, com jactos de fogo, até se estilhaçarem nos 451 graus Fahrenheit ou nos correspondentes 232,75 graus Celsius. Queimar esses poderosos inimigos do sossego humano: livros, livros com conteúdo, literatura! Assim é a sociedade futura na utopia pessimista que nos apresenta Ray Bradbury. Uma sociedade totalitária, em constante guerra,tecnologicamente avançada, mas que esqueceu as humanidades, que mantém os seus cidadãos na ignorância e num bem estar fictício, alimentado pela tirania dos audiovisuais, pelo culto do prazer,  do efémero e superficial , da excitação, da velocidade   (apenas falta o consumismo desmedido).


Tudo para evitar o conhecimento (a filosofia) e a reflexão (causa de melancolia, que importa a todo o custo evitar).  O ensino tornou-se um sistema de normalização enlatado. As pessoas devem ser entretidas; os laços entre elas, apenas os indispensáveis. Quem não se harmoniza com este cenário é suprimido; os bombeiros, são agora, mercê dos avanços técnicos da construção, instrumentos de purga de tudo o que é indesejável, numa espécie de eliminação purificadora pelo fogo, estando à cabeça os sediciosos livros.

«Saber o porquê das coisas», ver a natureza como ela é, usufruir dela com tempo e manter laços humanos, é o que Clarisse McClellan se atreve, desviando do caminho da «normalidade» o bombeiro Montag, que se descobre isolado e infeliz e se atreve a olhar para dentro de si e para o abismo do proibido: os livros que deve queimar e extinguir. Há quem prefira arder com eles... Na agitação em que se descobre  afirma à sua vazia e alheada mulher, Mildred: «Não temos necessidade que nos deixem sossegados. Temos necessidade de sermos seriamente incomodados de vez em quando

Encetando uma via de interrogação interior, nada o resgatará: nem as cinzas de afeição por Mildred, nem o terror inspirado pelo tenebroso e letal cão-polícia mecânico, nem as tentativas de doutrinação do capitão Beatty, que faz a apologia do mundo em que vivem e da razão porque se o deve aceitar e desistir de pensar, citando toda uma plêiade de autores, que contradizem o seu discurso. Mas o que se impõem é que « Os filmes, a rádio, os magazines, os livros foram nivelados, normalizados sob a forma de pasta de bolo.»; o intelectual é o inimigo a abater,« a protecção da paz de espírito» é o imperativo. Trabalho e distracção; evitar ofensas e disputas, agradar a gregos e a troianos e ainda a mais alguns, para que o ritmo social se mantenha e a verdade do estado de guerra constante seja apenas uma espécie de mau sonho distante.
Faber, o velho professor de literatura, junto de quem Montag procura apoio, revela que o livro em si nada significa. A sua importância e perigo residem na sua qualidade, ao retratar  os pormenores e questões da vida; na possibilidade que dá de reflexão,  de assimilação com tempo e a partir daí da acção em consciência. Podem, de resto, revelar-se meros enfeites de estante, objectos de valor e afecto, produtos indesejáveis e subversivos ou mesmo instrumentos de redenção.

Montag, irremediavelmente convertido/subvertido, tenta guardar dentro de si os livros do «Eclesiastes» e do «Génesis», para que a parábola da peneira e da areia, não se concretize. De perseguidor passa a perseguido. Juntar-se-á aos ostracizados da cidade, nas margens do rio e na senda do velho caminho de ferro.  Com eles, ao longe, verá a destruição da cidade pela guerra cirúrgica e inexorável. E recupera a memória dos seus sentimentos perdidos.

Serão eles, os renegados,que agora,  transmitirão o que sobrou de uma civilização aos que restam, para a sua reconstrução até uma nova destruição, mas onde as sementes sempre persistirão. «E nas duas margens do rio nascia uma árvore da vida dando doze vezes frutos e um cada mês; e as folhas dessa árvore serviam para curar nações.»

E segundo o velho intelectual exilado,Granger, o que fica da vida de alguém?Deixar algo que toque os outros. Um livro,uma história contada, um filho amado, um acto de amor e afeição, um jardim acarinhado. Tudo o resto, será uma procura absurda de felicidade.